Kant
- teoria do conhecimento:
A síntese entre racionalismo e empirismo
O que
equivale a responder: "o conhecimento é possível porque o homem possui
faculdades que o tornam possível". Com isso, o filósofo passa a investigar
a razão e seus limites, ao invés de investigar como deve ser o mundo para que
se possa conhecê-lo, como a filosofia havia feito até então.
Mas quais são exatamente, segundo Kant, estas faculdades ou formas a priori no
homem que o permitem conhecer a realidade ou, em outros termos, o que são essas
tais condições de possibilidade da experiência?
Em Kant, há duas principais fontes de conhecimento no sujeito:
§
A sensibilidade, por meio
da qual os objetos são dados na intuição.
§
O entendimento, por meio
do qual os objetos são pensados nos conceitos.
Vejamos o que ele quer dizer com isso, começando pela intuição. Na
primeira divisão da Crítica da Razão Pura, a
"Doutrina Transcendental dos Elementos", a primeira parte é
intitulada "Estética Transcendental" (estética, aqui, não diz
respeito a uma teoria do gosto ou do belo, mas a uma teoria da sensibilidade).
Nela, Kant define sensibilidade como
o modo receptivo - passivo - pelo qual somos afetados pelos objetos, e
intuição, a maneira direta de nos referirmos aos objetos.
Funciona assim: tenho uma multiplicidade de sensações dos objetos do mundo,
como cor, cheiro, calor, textura, etc. Estas sensações são o que podemos chamar
de matéria do fenômeno, ou seja, o conteúdo da experiência. Mas para que todas
estas impressões tenham algum sentido e entrem no campo do cognoscível(daquilo
que se pode conhecer), elas precisam, em primeiro lugar, serem colocadas em
formas a priori da intuição, que são o espaço e
o tempo.
Estas formas puras da intuição surgem antes de qualquer representação mental do
objeto; antes que se possa pensar a palavra "cadeira", a cadeira deve
ser apresentada, recebida, na forma a priori do espaço e do tempo. Este é o
primeiro passo para que se possa conhecer algo.
Assim, apreendemos daqui duas coisas: primeiro, o conhecimento só é possível se
os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e, segundo, espaço
e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do
mundo (da coisa-em-si).
Espaço
e tempo
Espaço é a forma do sentido
externo;
e tempo, do sentido
interno.
Isto é, os objetos externos se
apresentam em uma forma espacial;
e os internos, em uma forma
temporal.
Como Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um espaço qualquer, por exemplo,
em uma sala de aula vazia. Agora, mentalmente, retire esta cadeira da sala de
aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora tente fazer contrário, retirar o
espaço vazio e deixar só a cadeira. Não dá, a menos que sua cadeira fique
flutuando em uma dimensão extraterrena.
E o tempo?
Ele é minha percepção interna.
Só posso conceber a existência de um "eu" estando em relação a um
passado e a um futuro. Só concebemos as coisas no tempo, em um antes, um agora
e um depois. Voltemos ao exercício mental anterior: podemos eliminar a cadeira
do tempo - ela foi destruída, não existe mais. Porém, não posso eliminar o
tempo da cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes ou depois.
A conclusão é de que é impossível conhecer os objetos
externos sem ordená-los em uma forma espacial - e
de que nossa percepção interna destes mesmos
objetos fica impossível sem uma forma temporal.
Além disso, espaço e tempo preexistem como faculdades do sujeito - e,
portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da
experiência. Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos
do sujeito e condições de possibilidade de
qualquer experiência.
As
categorias Na segunda parte da
"Doutrina Transcendental dos Elementos", a "Analítica Transcendental",
Kant analisa os conceitos puros a priori do
entendimento, pelos quais representamos o objeto.
Vamos rever o esquema do conhecimento, antes de avançar. Temos objetos no
mundo, que só podemos conhecer como fenômenos, isto é, na medida em que aparecem
para o sujeito. Fora do sujeito, como coisa-em-si, estão fora do alcance da
razão.
Mas, para serem fenômenos, estas coisas precisam, antes de tudo, aparecer no
espaço e tempo, que são faculdades do sujeito. Vejo uma árvore. Esta árvore eu
vejo em suas cores e formas, que são as sensações deste objeto. Estas sensações
são recebidas e organizadas pela intuição no espaço e no tempo. Esta é a
primeira condição para o conhecimento.
O segundo momento, depois de o sujeito receber o objeto na intuição, na sensibilidade,
pela faculdade do entendimento ele reunirá estas intuições em conceitos, como,
por exemplo, "Árvore" ou "A árvore é verde". Esta é a
segunda condição para o conhecimento.
Os conceitos básicos são chamados de categorias, que são
representações que reúnem o múltiplo das intuições sensíveis. As
categorias, em Kant, são 12:
1. Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.
2. Qualidade: Realidade,
Negação e Limitação.
3. Relação: Substância,
Causalidade e Comunidade.
4. Modalidade: Possibilidade, Existência
e Necessidade.
São formas vazias, a serem preenchidas pelos fenômenos. Os fenômenos, por outro
lado, só podem ser pensados dentro das categorias.
Em Hume, a
causalidade - relação de causa e efeito - era um hábito, uma ilusão. Já para
Kant, Hume estava errado em procurar a causalidade na Natureza. Só podemos
pensar as coisas em uma relação de causa e efeito porque a causalidade está no
sujeito, não no mundo. Uma criança vê uma bola sendo arremessada (causa) e olha
na direção de quem atirou a bola (efeito). Como a criança liga um fato com o
outro? Porque ela possui, a priori, a categoria de causalidade, que a permite
conhecer.
Chegamos, portanto, a uma síntese que Kant faz entre racionalismo
e empirismo. Sem o conteúdo da experiência,
dados na intuição, os pensamentos são vazios de mundo (racionalismo); por outro
lado, sem os conceitos, eles não têm nenhum sentido para nós (empirismo). Ou,
nas palavras de Kant: "Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e
sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios,
intuições sem conceitos são cegas."
Considerações
finais É um lugar-comum dizer que Kant
é um divisor de águas na filosofia, mas é verdade. O sistema kantiano foi
contestado pelos filósofos posteriores. No entanto, suas teorias estão na raiz
das principais correntes da filosofia moderna, da fenomenologia e
existencialismo à filosofia analítica e pragmatismo. Por esta razão, sua leitura
é obrigatória para quem se interessa pela história do pensamento moderno.